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Policiais decidiram em ‘tribunal’ como executar chacina em ramal

Investigações sobre a chacina do ramal Água Branca, ocorrida em dezembro de 2022 em Manaus, apontam que as quatro vítimas – dois homens e duas mulheres – foram submetidas a uma espécie de “tribunal” formada por 16 policiais militares da Rocam, incluindo um oficial. O “julgamento”, conforme a apuração, ocorreu no ramal do Acará, na zona norte de Manaus, para onde as vítimas foram levadas após serem abordadas em uma rua do bairro Nova Cidade.

Os investigadores sustentam que pelo menos uma das vítimas era “carta marcada para execução” e as demais foram mortas como queima de arquivo.

“Um ou mais integrantes do veículo Ônix Branco (…) era carta marcada para execução e todos os sujeitos [policiais] que tinham conhecimento do que estava sendo feito se reuniram em um ponto de encontro para confirmar o(s) alvo(s) e decidir como seria realizada a ação, do que resultou necessária a execução de todos os que estavam no veículo Ônix no momento em que a abordagem se iniciou, como forma de não deixar testemunhas”, afirmam os investigadores.

A apuração aponta três momentos na ação dos PMs: a abordagem das vítimas na Rua Portland, bairro Nova Cidade, que foi registrada em vídeos que circularam nas redes sociais; a reunião de policiais no ramal do Acará; e a execução das vítimas no ramal Água Branca. O trajeto foi registrado por câmeras da SSP-AM (Secretaria de Segurança Pública do Amazonas) espalhadas pela cidade.

A Promotoria de Justiça apurou que após a reunião no ramal do Acará o grupo usou um veículo modelo Palio preto, pertencente a um dos policiais presos em dezembro, para levar as vítimas para o ramal Água Branca, no km 32 da rodovia AM-010, chamada pelos investigadores de “rota final da morte”.

Para a Promotoria de Justiça, o uso do carro Palio teve objetivo de “mascarar a participação dos policiais” e fazer com que os investigadores acreditassem que os PMs tinham feito apenas a abordagem policial e que não tinham ligação com as mortes

“Os 16 policiais militares ajustaram as ações relativas ao destino das pessoas que estavam no veículo particular, qual seja, a morte, e iniciaram uma ação coordenada para simular uma dispersão e tentar ludibriar eventual investigação criminal”, afirmam os investigadores.

Diego Máximo Gemaque, de 33 anos, e Lilian Daiane Máximo Gemaque, 31 anos, que eram irmãos, e Alexandre do Nascimento Melo, 29 anos, e a namorada dele, Luciana Pacheco da Silva, 22 anos, foram encontrados mortos na manhã do dia 21 de dezembro no ramal Água Branca. Alexandre é filho do sargento da Polícia Militar Alessandro da Silva, de 46 anos.

Os policiais da Rocam se tornaram suspeitos após a repercussão de vídeos que mostram o momento em que eles fizeram a abordagem no veículo das vítimas na Rua Portland, bairro Nova Cidade. Lilian e Luciana aparecem nas imagens encostadas na parede de uma casa enquanto os agentes vasculham o carro em que elas estavam.

Doze policiais militares foram presos no dia 24 de dezembro suspeitos de envolvimento no crime. Eles estavam nas três viaturas que aparecem no sistema de câmeras da SSP-AM escoltando o veículo modelo Onix branco, em que estavam as vítimas, na Avenida das Torres, em direção à rodovia AM-010.

Na última sexta-feira (17), a polícia prendeu mais quatro policiais, incluindo um oficial, suspeitos de participação no crime. Os investigadores descobriram que eles estiveram no ramal do Acará com agentes das outras três viaturas horas antes de as vítimas serem levadas para o ramal Água Branca, na rodovia AM-010.

Antes de pedir a prisão desses policiais, a Promotoria de Justiça os ouviu na condição de testemunhas, mas eles contaram versões diferentes sobre o que aconteceu naquela noite no ramal do Acará. Um deles, por exemplo, disse que viu todas as quatro pessoas entrando no carro branco e saindo do local, enquanto outros três afirmaram nem ter visto o veículo.

O oficial preso alegou que ele e outros três policiais foram ao ramal do Acará após serem acionados por um sargento de outra viatura que disse estar verificando “situação relacionada a entorpecentes”. Ele disse que viu três viaturas da Rocam e o veículo branco no local, mas foi informado por policiais de outra viatura que não havia nenhum material ilícito no veículo branco.

Ainda de acordo com o oficial, ele ordenou que os agentes liberassem o veículo branco e seus integrantes. Em seguida, deixou o local e retornou à base da Rocam. Ele afirmou, no entanto, que não viu as demais viaturas e nem o carro branco saírem do ramal.

As imagens do sistema de câmeras da SSP-AM mostram que após a reunião no ramal do Acará, duas viaturas, incluindo a que estava o comandante, deixaram o local rumo à base.

Segundo as investigações, outras duas permaneceram no local “mantendo o cerco ao Ônix Branco e privando as vítimas de liberdade até que se desenrolasse a execução do plano que resultaria na Chacina do Ramal Água Branca”.

Após as duas viaturas chegarem na base, o veículo Pálio pertencente a um dos policiais partiu em direção ao ramal do Acará.

Os investigadores afirmam que após a chegada do Pálio às proximidades do ramal do Acará, “seguiu-se novo comboio formado pelo Pálio, pelo Ônix das vítimas, certamente conduzido por um PM, e outras duas VTRs [viaturas] Rocam, que os acompanharam até certo ponto, a partir de onde seguiram para dentro do Ramal Água Branca somente o Pálio e o Ônix”.

As imagens da SSP-AM e de estabelecimentos comerciais mostram o Pálio seguindo “colado” no Onix em direção ao ramal Água Branca, onde as vítimas foram assassinadas.

“Executados os homicídios das 4 (quatro) vítimas, o Ônix foi abandonado com os corpos em área de mata do Ramal Água Branca, tendo o veículo Pálio retornado para a Base Rocam no bairro Dom Pedro”, afirmam os investigadores.

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